Fonte: Blog Terra da Sulanca |
Convidada a participar dessa necessária e bonita iniciativa de dar voz as mulheres nos espaços da mídia ocupados por timbres e mãos masculinas fui instigada a deixar o macro de lado e pensar no aqui, na terra dita Santa por uma cruz, nascedouro desta que agora vos fala.
Fiz um esforço para não falar por aqui na valentina do MasterChef Júnior, vítima de grotesco assédio na internet; para não lembrar com sentimentos de fúria da retirada do ensino de Gênero nas escolas País a fora; para não tentar dar voz à Anna Muylaert, que teve a voz e o brilhantismo calados pelos amigos de profissão no debate sobre seu aclamado filme me Recife; para não engessar o texto com a dureza de quem ver décadas de lutas e conquistas ameaças pelo recrudescimento do pensamento conservador do Congresso Nacional.
Olhar para dentro: para as mãos que tecem o desenvolvimento da cidade, para a mulher que deu a Santa Cruz um lugar na história. Cresci ouvindo o quanto a mulher é importante na economia daqui, o quanto é diferenciada e trabalhadora, e autônoma, e guerreira, e valorizada, e de voz firme e presente na cidade. São conectivos demais para uma frase só, eu sei. Mas eu também sei, com amargor, que uma mentira repetida várias vezes ganha tons de verdade absoluta.
Não é mera retórica que a mulher é mola propulsora da economia, tão pouco que é trabalhadora e guerreira. Mas todo o resto é uma bonita tela pintada que dificulta enxergar a verdade e perceber o silêncio. A verdade da crueza numérica dos dados do mapa da violência de 2015 que dentre os 5565 munícios brasileiros, Santa Cruz ocupa a 651º posição quando se trata de homídio de mulheres, no sombrio ranking que coloca o Brasil como o 5º País que mais mata mulheres no Globo. A verdade inconteste apontada pelo estudo feito por Clarissa Carvalho, de que entre 1955 e 2012, 64 pessoas ocupam cadeira na Câmara de vereadores da cidade, e que destas apenas 3 eram mulheres. A verdade dolorosa de escrever uma história e desaparecer de suas páginas.
Convido você a fazer um exercício simples: ande pelas ruas. Elas contam história. Em suas placas e monumentos se registra o que pendurou ao tempo. Quantas ruas da cidade carregam nomes de mulheres? Elas existem, não sei em que exata proporção. Mas continue o exercício: Quem foram essas mulheres? Em que momento você aprendeu sobre elas na escola? quem te contou suas histórias? Prossiga o exercício: nos veículos de comunicação quantas vozes e mãos femininas você encontra, entre entrevistadores e entrevistados? Quantas colunistas mulheres nos blog da cidade existe?Santa Cruz respira o debate político 24 horas por dias, quantas mulheres são convidadas pela mídia a dar sua opinião sobre o cenário público?.
Eu tentei me desprender do macro, mas só para constatar que somos diferente. Meninas de 12 anos também são assediadas nas ruas e nos lares de Santa Cruz, mulheres também possuem seus corpos violados por homens que aprenderam que somos domínio coletivo, nosso plano de Educação também julgou impróprio da voz ao nosso debate, nossos três poderes também não espalham nossa representação na sociedade, nossos livros, placas e ruas escondem nossas marcas, e tal qual a Anna Muylaert nós fazemos a história, mas tentam, dioturnamente, calar nossas vozes. Então não, não há um macro e micro quando se fala do feminino. A dor de uma é a dor de todas, a exclusão de uma é a exclusão de todas, e enquanto uma for calada e oprimida, todas estaremos sendo. Marias, Anas, Valentinas, Clarissas, Ágdas, suas vozes eu quero ouvir. Quero ouví-las agora, já, com a urgência que a bruteza que recai sobre nós requer. Quero ouví-las ecoar. A voz de uma também é a voz de todas. E hoje aqui, eu sou todas, todas que o mundo tentou calar e não conseguiu.
Autora: Iana Paula Sousa - Advogada e Coordenadora da Coordenadoria da Mulher de Santa Cruz do Capibaribe
Texto Publicado em 2015 no blog:
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